Análise do Ruído Aeroportuário no Entorno do Aeroporto de São José dos Campos-SP

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Análise do Ruído Aeroportuário no Entorno do Aeroporto de São José dos Campos-SP

 1. Introdução

O crescente aumento do tráfego aéreo vivenciado atualmente vem agravando os impactos ambientais gerados pelas atividades aeroportuárias. A frota mundial consiste em mais de 15.000 aeronaves civis operando em aproximadamente 10.000 aeroportos (JANIC 2000). Segundo Souza (2008), este agravamento está relacionado, principalmente, aos efeitos do ruído aeronáutico, ao volume de resíduos aeroportuários gerados, ao aumento da demanda de água e energia e ao perigo das operações aéreas. Conforme Ignaccolo (2000), a poluição sonora nos aeroportos é o mais relevante e complexo problema ambiental, merecendo, no entanto, mais atenção, o ruído proveniente das operações de pouso e decolagem. O ruído aeronáutico é considerado o mais importante, porque afeta diretamente a qualidade de vida da população que reside no entorno do aeroporto.

Por outro lado, Hume et al (2002) constataram que no Aeroporto de Manchester na Inglaterra, entre 1991 e 1998, apesar do tráfego aéreo ter aumentado, a taxa de reclamações para cada mil operações caiu de 50 para 13. Esta diminuição está relacionada, principalmente, à diminuição do nível de ruído produzido individualmente por modernas aeronaves mais silenciosas.

Evidentemente, o problema não é recente, tanto que, na década de 50, com o início da operação de aeronaves militares à jato, comunidades já se organizavam fazendo vigorosas reclamações, forçando organizações em todo o mundo a iniciarem estudos na tentativa de encontrar soluções concretas e eficazes para reduzir os impactos gerados pelo ruído. Entretanto, no início do transporte aéreo comercial, ocorreu que o planejamento urbano dos aeroportos ficava para um plano inferior, pois o som emitido pelas aeronaves estava relacionado diretamente ao progresso tecnológico e indicavam a influência de toda uma nação neste sistema de transporte.

A introdução das aeronaves à jato em substituição às aeronaves com motor convencional proporcionou um aumento significativo na sua velocidade, porém apresentou também como resultado, e na mesma proporção, um aumento do ruído.

O nível de ruído que chega ao solo perto dos aeroportos, emitido por aeronaves em vôo, depende de um grande número de fatores, tais como: modelo de aeronave, tipo de turbina, potência, configuração das asas, distância da trajetória, bem como da topografia do terreno e do clima, que afetam a propagação do som.

O ruído aeronáutico apresenta caracteres intrusivos, consistindo numa sucessão de repentinos altos níveis com separação por períodos silenciosos. Apresentam grandes problemas ambientais nas operações de decolagem e aproximação por estarem mais próximos do solo e nestes pontos exigirem muita potência (Tandon, 2003).

A principal fonte de ruído de uma aeronave é emitida pelo sistema propulsor, embora o fluxo aerodinâmico gerado perto das partes estruturais, como asas e sistema do trem de pouso, produzam significante contribuição. O sistema propulsor tem como principais componentes geradores de ruído: a turbina, o ventilador, o compressor e o núcleo de combustão, sendo que a maior contribuição provém da exaustão do gás em altíssima velocidade. O ruído emitido pela decolagem ou aterrissagem se altera no tempo e no espaço e depende, principalmente, do peso da aeronave, do angulo de subida ou descida e das configurações de potências.

O tráfego aéreo mundial vem crescendo a uma taxa de 6% ao ano. A Tabela 1 apresenta os principais aeroportos do mundo em número de movimento de passageiros (ALVES, 2007). Este crescimento vem agravando os problemas junto à população afetada. Pode-se verificar que os Estados Unidos possuem 05 aeroportos na lista dos 10 mais movimentados.

A elaboração dos primeiros Planos de Zoneamento de Ruído dos aeroportos brasileiros foi iniciada no ano de 1981, pelo extinto Ministério da Aeronáutica. O objetivo principal destes Planos era delimitar as atividades que necessitam de maior silêncio (escolas, hospitais, residências) para setores mais distantes da pista de pouso e as demais atividades (agricultura, depósitos, comércio), para setores mais próximos. Infelizmente, os Planos foram instituídos tardiamente, tendo em vista, que nesta época, a maioria dos aeroportos, já estava com o seu entorno totalmente comprometido pela densa ocupação. As principais capitais enfrentam atualmente enormes dificuldades para ajustar soluções adequadas para que a população e o aeroporto possam conviver sem grandes conflitos.

O Aeroporto de São José dos Campos, administrado atualmente pela INFRAERO, foi aberto ao tráfego aéreo militar na década de 50, quando a cidade era bastante provinciana. Apesar das áreas críticas de ruído ficarem restritas quase que na sua totalidade no interior da área patrimonial do aeroporto, o adensamento da população e o aumento do tráfego aéreo vem gerando desconforto na população.

2. Plano de Zoneamento de Ruído

No Brasil, no ano de 1984, a Aeronáutica instituiu os primeiros Planos de Zoneamento de Ruído com o intuito de ordenar a implantação de construções no entorno dos principais aeroportos do país na época, em função do ruído aeronáutico. Mas foi somente no ano de 1987, através de uma campanha nacional junto as Prefeituras que os Planos definidos pela Portaria Ministerial nº 1141/GM5 (1987) tornaram-se conhecidos e aplicados.

Esta legislação define os traçados das “curvas isofônicas”, denominadas Curva de Nível de Ruído 1 e 2, delimitando três áreas diferentes, calculadas principalmente em função do tipo da aeronave e número de operações.

A Área 1, está localizada mais próxima da pista, onde o nível de incômodo sonoro é mais intenso, podendo inclusive ocasionar problemas fisiológicos. Nesta Área são permitidas algumas atividades tais como: agricultura, depósitos, garagens e transporte.

A Área 2, é compreendida entre as curvas 1 e 2, onde os níveis de incômodo são menores e permite algumas atividades de comércio e indústria.

Na Área 3, onde normalmente não são registrados níveis sonoros significativos, são permitidas todas as atividades, incluindo as ligadas à saúde educação e cultura

Muitos estudos apontam uma forte relação entre a reação ao incômodo, o nível sócio-econômico e as atividades exercidas nas áreas envolvidas. A Tabela 2 apresenta uma relação entre Índice Ponderado de Ruído (IPR) e a reação esperada da comunidade.

A Prefeitura Municipal de São José dos Campos (1997), em sua legislação sobre a ordenação do território mediante o controle do parcelamento, do uso e da ocupação do solo, incluiu as normas do Ministério da Aeronáutica no que se refere as curvas de ruído no entorno do aeroporto e gabaritos de altura das edificações nas áreas de influência do cone de vôo.

A Figura 1 apresenta o Plano de Zoneamento de Ruído delimitado pelas duas Curvas de Ruído.

Figura 1: Plano de Zoneamento de Ruído de São José dos Campos. Fonte: Prefeitura Municipal de São José dos Campos

Observa-se que as curvas de ruído apresentam maior extensão no sentido sul. Esta maior extensão se explica porque foi previsto para este sentido a maioria das decolagens em função da direção dos ventos predominantes.

3. Programa INM

Este programa desenvolvido pela Federal Aviation Administration (FAA) dos Estados Unidos, é o mesmo utilizado pelos órgãos governamentais brasileiros para gerar as curvas isofônicas dos principais aeroportos.

O programa INM possui uma base de dados operacionais das principais aeronaves fabricadas: ruído, potência e distância (Noise, Power Distance, NPD), aliado à uma base de dados de características espectrais, utilizados para o cálculo da absorção atmosférica .

O núcleo dos modelos de cálculos é baseado em documentos elaborados pela Society of Automotive Engineers (SAE) Aviation Noise Comittee (A-21). Este Comitê internacional é composto por instituições de ensino, empresas de engenharia, fabricantes de aeronaves e agências reguladoras governamentais. Os módulos computacionais também estão em conformidade com outras entidades internacionais como a Intenational Civil Aviation Organization (ICAO) e European Civil Aviation Conference (ECAC).

O programa INM tem seus algoritmos baseados principalmente nos 5 documentos listados a seguir:

• SAE-AIR-1845 “Procedure for the Calculation of Airplane Noise in the Vicinity of Airports”

• SAE-AIR-5662 “Method for Predicting Lateral Attenuation of Airplane Noise”

• SAE-ARP-866A “Standard Values of Atmospheric Absorption as a Function of Temperature and Humidity”

• ECAC Doc 29 “Report on Standard Method of Computing Noise Contours around Civil Airports

• ICAO Circular 205 “Recommended Method for Computing Noise Contours Around Airports”

O processo de cálculo do ruído pelo programa INM requer principalmente as informações sobre as condições aeroportuárias, tipos de aeronaves, parâmetros operacionais, geometria entre o ponto de um observador e o correspondente segmento de vôo e informações sobre as métricas de ruído. Com relação aos dados aeroportuários, as seguintes informações fazem parte dos dados de entrada:

• Latitude e longitude do aeroporto;

• Posicionamento das pistas de pouso em relação às coordenadas;

• Elevação da pista de pouso em relação ao nível do mar;

• Média anual da temperatura;

• Média anual da umidade relativa;

• Média anual da pressão barométrica;

• Inclinação longitudinal da pista de pouso.

4. Pesquisa de Campo

O primeiro trabalho foi à obtenção do movimento anual de aeronaves do aeroporto. A Tabela 3 apresenta os principais índices do movimento de aeronaves no Aeroporto de São José dos Campos referente ao ano de 2008.

Para avaliar a contribuição por tipo de aeronave no movimento geral foi feita a Tabela 4, que apresenta o “mix” de aeronaves relacionadas às operações. Aeronave geral é definida como sendo a aeronave de pequeno porte, ou aeronave de médio e grande porte que não opera linhas regulares.

Para proporcionar os dados de entrada foi elaborada a Tabela 5, contendo os principais dados meteorológicos de 2008 (Valores médios).

Fonte: Comando da Aeronáutica

Para o cálculo de performance das aeronaves o programa INM utiliza as condições de referência da ICAO, ou seja:

▪ condições atmosféricas preconizadas pela International Standard Atmosphere (ISA);

▪ altitude da pista ao nível do mar;

▪ perfil longitudinal da pista sem caimento;

▪ vento de frente até 4,1 m/s;

▪ peso de decolagem considerando 85% do peso máximo de decolagem;

▪ peso de aterrissagem considerando 90% do peso máximo de aterrissagem;

▪ todos os motores em funcionamento;

▪ configurações normais da aeronave.

O nível de ruído processado pelo programa tem como resultado equivalente uma “dose” diária média do ruído para a métrica adotada e calculada através do tráfego aéreo de um ano. Em relação aos dados do tráfego aéreo do aeroporto dois fatores importantes foram considerados por apresentarem grande peso no resultado final do nível de ruído. O primeiro está relacionado à definição das operações noturnas, enquanto o controle aéreo refere-se ao período noturno como uma operação realizada após o por do sol, para o caso do cálculo do ruído, será considerado como vôo noturno uma operação das 22 h, até as 6 h do dia seguinte. O segundo fato está relacionado ao elevado número de operações de “toque” e “arremetida”, computadas em 35%. Este tipo de operação ocorre com freqüência, pois o aeroporto é muito utilizado para a realização de testes para as aeronaves da EMBRAER e ensaios de vôos para as aeronaves militares.

Serão utilizados para o cálculo do ruído somente as operações de pouso e decolagem, bem como as operações de “toque” e “arremetida”. Não será computado o ruído produzido pelas operações de taxiamento, operações de manobras no pátio de estacionamento e teste de motores e turbinas. Os resultados obtidos através do processamento do INM serão os traçados das curvas de mesmo incômodo sonoro para uma métrica adotada, sendo que a curva de nível de ruído é o valor médio do somatório de todos os ruídos produzidos por operação de aeronaves durante um ano. Tendo em vista que a métrica adotada pelo governo brasileiro para medir o grau de incômodo sonoro, o IPR, não está contido na programação do INM, foi adotado o Ldn como métrica de saída. Para tanto, os valores do Ldn foram convertidos para IPR através da seguinte equivalência: 75Ldn para 63 IPR e 65 Ldn para 53 IPR (NUNES E SATTLER, 2004).

5-Resultados e Considerações finais

As curvas isofônicas calculadas pelo programa INM para o aeroporto de São José dos Campos estão representadas na Figura 2.

Figura 2: Curvas isofônicas calculadas pelo INM

A Figura 3 apresenta uma comparação entre as curvas do Plano de Zoneamento de 1984 e as curvas calculadas pelo INM. Verifica-se que as curvas isofônicas para um ruído Ldn 75 e 65, calculadas pelo programa INM para o tráfego aéreo atual (traçado em verde), estão contidas no interior das curvas isofônicas de mesmo nível do Plano de Zoneamento de Ruído elaborado em 1984 (traçado em amarelo).

Figura 3: Comparação entre as curvas isofônicas

Considerando somente a legislação aeronáutica, pode-se concluir que, mesmo passados 25 anos, o Plano proposto pelo Comando de Aeronáutica atende aos requisitos enunciados em sua legislação. No entanto, seria necessária a elaboração de uma pesquisa de campo para avaliar a percepção da população quanto ao nível de incômodo sonoro produzido pelo tráfego aéreo atual.

6-Referências

]1] Janic, M.: An assessment of risk and safety in civil aviation, Journal of Transport Management, vol 6, p. 43-50. 2000.

[2] Souza, C.A.F.: Ordenamento Jurídico Ambiental Brasileiro e Interfaces com o Crescimento do Transporte Aéreo. Revista Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial, jun-1997. www.sbda.org.br/revista/1793.htm> Acesso em 6/4/2008.

[3] Ignaccolo, M.: Environmental capacity: noise pollution at Catania-Fontanarossa International Airport. Journal of Air Transport Management, vol 6, p. 191- 199. 2000.

[4] Hume, K.; Terranova, D.; Thomas, C.: Complaints and annoyance caused by aircraft operations: Temporal patterns and individual bias. Noise & Healt, Vol 4, number 15, p. 45-55. 2002.

[5] Tandon, N.: Aircraft Noise. Noise & Vibration Worldwise, Vol 34, Nº 4, p. 11-14. 2003.

[6] Alves, C.J.P.: Transporte Aéreo e Aeroportos. São José dos Campos: ITA, Apostila de Curso. 2007.

[7] BRASIL.: Ministério da Aeronáutica. Portaria Nº 1.141/GM5 de 8 de dezembro de 1987. Dispõe sobre Zonas de Proteção e Aprova o Plano Básico de Zona de Proteção de Aeródromos, o Plano Básico de Zoneamento de Ruído, o Plano Básico de Zona de Proteção de Helipontos e o Plano de Zoneamento de Proteção de Auxílios à Navegação Aérea e dá outras providências. 1987.

[8] Prefeitura Municipal de São José dos Campos.: Lei Complementar 165/97. Dispõe sobre a ordenação do território mediante controle do parcelamento do uso e da ocupação do solo no Município de São José dos Campos. Disponível em:http://www.sjc.sp.gov.br/saj/downloads/legislação/ LEI165_zoneamento.pdf > Acesso em 30 de julho de 2009.

[9] Nunes, M. F. O.; Sattler, M. A.: Percepção do Ruído Aeronáutico em Escolas da Zona 1 do PEZR do Aeroporto Internacional Salgado Filho. ENGEVISTA, v.6, n.3, p. 5-24. 2004.

Por:

MSc. Antonio Giovanelli Neto

Dr. José Geraldo Querido